
Culturas Quilombolas no Brasil 
Quilombolas é designação comum aos escravos refugiados em quilombos, ou descendentes de escravos negros cujos antepassados no período da escravidão fugiram dos engenhos de cana-de-açúcar, fazendas e pequenas propriedades onde executavam diversos trabalhos braçais para formar pequenos vilarejos chamados de quilombos.
Mais de duas mil comunidades quilombolas espalhadas pelo território brasileiro mantêm-se vivas e atuantes, lutando pelo direito de propriedade de suas terras consagrado pela Constituição Federal desde 1988.
Embora não se possa precisar o número de habitantes nos Palmares, de vez que a população flutuava ao sabor das conjunturas, historiadores estimam que, em 1670, alcançou cerca de vinte mil pessoas.
Essa população sobrevivia graças à caça, à pesca, à coleta de frutas (manga, jaca, abacate e outras) e à agricultura (feijão, milho, mandioca, banana,laranja e cana-de-açúcar). Complementarmente, praticava o artesanato: (cestas, tecidos, cerâmica, metalurgia). Os excedentes eram comercializados com as populações vizinhas, de tal forma que colonos chegavam a alugar terras para plantio e a trocar alimentos por munição com os quilombolas.
Pouco se sabe, também, acerca da organização política do quilombo. Alguns supõem que se constituiu ali um verdadeiro Estado, nos moldes dos reinos africanos, sendo os diversos mocambos governados por oligarcas sob a chefia suprema de um líder. Outros apontam para a possibilidade de uma descentralização do poder entre os diferentes grupos, pertencentes às diversas etnias que formavam os núcleos de quilombos, que delegavam esse poder a lideranças militares conforme o seu prestígio. As mais famosas lideranças foram Ganga Zumba e seu sobrinho, Zumbi. Apesar disso, alguma forma de trabalho compulsório também foi praticada dentro do quilombo[2].

Zumbi (Alagoas, 1655 — Viçosa, 20 de novembro de 1695) foi o último dos líderes do Quilombo dos Palmares.
A palavra Zumbi, ou Zambi, vem do africano quimbundo “nzumbi”, e significa, grosso modo, “duende”. No Brasil, Zumbisignifica fantasma que, segundo a crença popular afro-brasileira, vagueia pelas casas a altas horas da noite;
Histórico
O Quilombo dos Palmares (localizado na atual região de União dos Palmares, Alagoas) era uma comunidade autossustentável, um reino (ou república na visão de alguns) formado por escravos negros que haviam escapado das fazendas, prisões e senzalas brasileiras. Ele ocupava uma área próxima ao tamanho de Portugal e situava-se onde era o interior da Bahia, hoje estado de Alagoas. Naquele momento sua população alcançava por volta de trinta mil pessoas.
Zumbi nasceu em Palmares, Alagoas, livre, no ano de 1655, mas foi capturado e entregue a um missionário português quando tinha aproximadamente seis anos. Batizado ‘Francisco’, Zumbi recebeu os sacramentos, aprendeu português e latim, e ajudava diariamente na celebração da missa. Apesar destas tentativas de aculturá-lo, Zumbi escapou em 1670 e, com quinze anos, retornou ao seu local de origem. Zumbi se tornou conhecido pela sua destreza e astúcia na luta e já era um estrategista militar respeitável quando chegou aos vinte e poucos anos.
Por volta de 1678, o governador da Capitania de Pernambuco cansado do longo conflito com o Quilombo de Palmares, se aproximou do líder de Palmares, Ganga Zumba, com uma oferta de paz. Foi oferecida a liberdade para todos os escravos fugidos se o quilombo se submetesse à autoridade da Coroa Portuguesa; a proposta foi aceita, mas Zumbi rejeitou a proposta do governador e desafiou a liderança de Ganga Zumba. Prometendo continuar a resistência contra a opressão portuguesa, Zumbi tornou-se o novo líder do quilombo de Palmares.
Quinze anos após Zumbi ter assumido a liderança, o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho foi chamado para organizar a invasão do quilombo. Em 6 de fevereiro de 1694 a capital de Palmares foi destruída e Zumbi ferido. Apesar de ter sobrevivido, foi traído por Antonio Soares, e surpreendido pelo capitão Furtado de Mendonça em seu reduto (talvez aSerra Dois Irmãos). Apunhalado, resiste, mas é morto com 20 guerreiros quase dois anos após a batalha, em 20 de novembro de 1695. Teve a cabeça cortada, salgada e levada ao governador Melo e Castro. Em Recife, a cabeça foi exposta em praça pública, visando desmentir a crença da população sobre a lenda da imortalidade de Zumbi.
Em 14 de março de 1696 o governador de Pernambuco Caetano de Melo e Castro escreveu ao Rei: “Determinei que pusessem sua cabeça em um poste no lugar mais público desta praça, para satisfazer os ofendidos e justamente queixosos e atemorizar os negros que supersticiosamente julgavam Zumbi um imortal, para que entendessem que esta empresa acabava de todo com os Palmares.”
Zumbi é hoje, para determinados segmentos da população brasileira, um símbolo de resistência. Em 1995, a data de sua morte foi adotada como o dia da Consciência Negra. É também um dos nomes mais importantes da Capoeira[1].
Valorização da cultura e do povo quilombola |
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As sociedades quilombolas têm encontrado dificuldades para manter vivas sua cultura e suas tradições, que muitas vezes esbarram nas relações econômicas praticadas atualmente. Com o objetivo de encontrar soluções para esses problemas dentro das próprias comunidades, o Movimento Consciência Negra Palmares (ONG Palmares), a Assessoria para Economia Popular Solidária e a Delegacia Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul (DRT-RS) criaram o projeto Quilombolas em Rede.
A ideia inicial é fazer com que os quilombolas vejam na união uma forma de ajudar a superar os problemas econômicos que enfrentam. Através de compras coletivas, a meta inicial é diminuir os preços dos alimentos e outras mercadorias que os moradores tenham necessidade de adquirir. Deste modo, a margem de negociação seria maior, reduzindo os preços e obtendo mais rapidez na entrega.
O projeto recebeu o investimento de R$ 500 mil do Programa Petrobras Fome Zero e foi lançado no dia 18 de maio. Há um ano, no entanto, já vem sendo desenvolvido em caráter experimental. Um projeto-piloto foi implementado nas comunidades de Rincão dos Martimianos e São Miguel, localizadas em Restinga Seca, na região central do Rio Grande do Sul. Elas apresentaram seus resultados iniciais, definiram expectativas e deram novas possibilidades à iniciativa. “Foi uma experiência importantíssima. Com o projeto-piloto, fomos descobrindo novas possibilidades”, afirmou Neusa de Azevedo, delegada da DRT-RS.
Em relação ao resultado, de acordo com a delegada, os preços diminuíram em torno de 20% depois que as famílias quilombolas se uniram para as compras. Além disso, as entregas puderam ser feitas diretamente no local, eliminando a necessidade do transporte de cada família, individualmente.
Após um ano de experiência, o Quilombolas em Rede foi definido em três eixos: desenvolvimento sustentável, economia solidária e fortalecimento da cultura quilombola. Agora envolverá mais 18 quilombos, além dos dois que participaram do projeto-piloto. Foram escolhidos aqueles que têm maior organização e envolvimento com as lutas das comunidades quilombolas.
Através da capacitação em permacultura, que passa a integrar o projeto, os quilombolas poderão identificar o melhor produto a cultivar na terra disponível e a forma mais adequada de utilizar os recursos que a natureza oferece em suas comunidades. “Além disso, com o desenvolvimento sustentável, aprenderão também como explorar a terra, respeitando seus limites e permitindo que a agricultura no local permaneça”, explica Neusa de Azevedo. O treinamento será feito pelo Instituto de Permacultura e Ecovilas do Pampa (Ipep), com o qual foi firmada uma parceria.
Tudo o que for produzido e comprado coletivamente será de propriedade da comunidade, seguindo assim o ideal da economia solidária. “Não queremos que um indivíduo plante em seu quintal e passe a ganhar o seu dinheiro. A saída deve ser comunitária, não individual”, argumenta Azevedo. De acordo com a delegada, esta meta segue os pressupostos da homologação de terras quilombolas, em que a propriedade é dada à associação dos moradores da comunidade e não é feita divisão em propriedades privadas.
Mesmo sendo o projeto feito por entidades de fora do quilombo, a ideia não é implementar ações nesses espaços, mas sim envolver os moradores no processo de decisão. Para isso será criado o Comitê Gestor Local, composto por moradores da comunidade, que tem como função decidir o produto e a quantidade do que será comprado e o que será produzido. “O Quilombolas em Rede pretende ser um início para que essas comunidades andem com as próprias pernas e sejam autossustentáveis”, afirma Neusa de Azevedo.
A manutenção dessas populações em seus territórios originais e a valorização da sua expressão favorece o fortalecimento da identidade dessas comunidades. Com a participação dos quilombolas na definição da produção, espera-se que sejam recuperados histórias e métodos de agricultura tradicional daquela comunidade. A troca de experiências, principalmente com os mais velhos, faz com que a cultura daquele povo seja valorizada e, ao mesmo tempo, envolva a comunidade nesse processo de decisão. |

Núcleo de Estudos incentiva a identidade cultural de quilombolas |
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Por Bernardo Cortizo, da Ascom/UFPE
Desde os tempos da escravidão, a cultura quilombola vem sendo desprezada pela população em geral, sendo seus integrantes vistos como perigosos, marginais e parias. No entanto, os habitantes dos quilombos possuem hábitos e costumes frutos de uma cultura rica e bela, cultivada precária e desapercebidamente por eles. É justamente esse quadro que a pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos de Pesquisas de Etnicidade (Nepe), do Programa de Pós-Graduação em Antropologia, tenta mudar.
Levantando um perfil histórico e antropológico sobre os quilombolas, o Núcleo procura valorizar (e fazer com que os próprios quilombolas valorizem) a rica cultura lá preservada. “A finalidade da pesquisa é contribuir com o levantamento da identidade étnico-cultural quilombola no estado de Pernambuco”, afirma o professor Bartolomeu Figueirôa de Medeiros, mais conhecido como Frei Tito.
Desde as técnicas de artesanato em barro e em palha até as danças e rituais sociais e religiosos, eles têm muito a mostrar. E isso tudo acaba sofrendo discriminação da sociedade, acostumada a vê-los como perigosos e, com isso, segregando-os. O pior é que as décadas de discriminação conseguiram minar a própria autoestima dos quilombolas, que acabam desvalorizando sua própria cultura, desaparecendo um pouco cada vez mais. Mas a mera presença de pesquisadores da UFPE parece ajudar a melhorar um pouco o caso: quando veem que a universidade tem interesse por eles e participam e divulgam sua cultura, acabam se interessando também.
“A gente interage com essas comunidades através da proposta do trabalho de identificação delas. Para fazer esse trabalho de identificação, a gente começa investigando os mitos de origem da comunidade”, explica frei Tito. Essas narrativas, geralmente contadas pelos membros mais velhos do quilombo e pelos mais velhos do município onde se situa o quilombo, contam a origem da comunidade, o que é depois avaliado juntamente com a relação desse povo com a terra.
Surgidas a partir de uma ocupação anterior à Lei Áurea, em 1888, ou posterior a essa data, as terras raramente têm documentação legal. Em alguns casos, como o de Conceição das Crioulas, em Salgueiro, foram compradas pelas irmãs fundadoras da comunidade, aproveitando as leis da época (o II Reinado). Em outros, o território resultou de uma doação verbal do proprietário da fazenda onde os negros eram escravos, após o 13 de maio, com a intenção de mantê-los trabalhando na propriedade. O problema é que os cartórios no Sertão do Estado, onde as doações foram posteriormente regularizadas, muitas vezes foram alvos de incêndios criminosos, isso quando a terra foi trocada de dono legal e o novo proprietário não reconheceu a propriedade dos quilombolas.
Após esse levantamento histórico, vêm as pesquisas sobre as chamadas relações interétnicas, as relações entre os habitantes do quilombo e os outros moradores da área e a busca por um perfil econômico dos quilombos, onde predomina a pobreza: a maioria deles está no limite ou abaixo da linha de miséria estabelecida pela ONU e pela Unesco.
COSTUMES – Em algumas comunidades existem costumes curiosos, como o casamento, que é consumado quando o noivo sequestra a noiva e a leva para morarem juntos. O sequestro é consentido, mas ainda assim é algo inusitado para aqueles que não conhecem a cultura. Outro ponto interessante é a mazurka, dança tradicional de algumas das comunidades que, com a mazurka polonesa, tem em comum apenas o nome, assemelhando-se mais a (ou se constituindo) um tipo de coco de roda.
Um ponto marcante e que serve de definidor é a questão religiosa. Segundo identificou a pesquisa, praticantes de um catolicismo rural e sincrético, os quilombolas reúnem crenças cristãs com a umbanda urbana, a crença em espíritos e em identidades da jurema (religião indígena antes conhecida como catimbó). As curas espirituais também estão muito presentes, como ilustra frei Tito: “Fazemos levantamento dos benzedeiros, das benzedeiras, dos rezadeiros e das rezadeiras nessas comunidades, como é que exercem essa atividade e também os conhecimentos tradicionais ligados à medicina raizeira e fitoterápica”.
Um costume que a pesquisa tenta salvar é o artesanato artístico e utilitário em palha e as técnicas do fabrico de renda mais antigas, mais artesanais. Muito acaba sendo deixado pra trás, numa tentativa de se adequar aos padrões da sociedade circundante. Mas com o incentivo do Nepe e do Governo Federal, isso tem sido revertido.
INCENTIVO – O fato é que apesar de serem mais de 90 as comunidades quilombolas no interior do Estado (segundo as Superintendências do Incra em Pernambuco), nem todas têm consciência de sua negritude e dos direitos que a Constituição lhes garantem. Um dos objetivos do trabalho é justamente divulgar o uso das atividades locais com finalidade econômica, ajudando assim a sustentar a comunidade: seja vendendo artesanato, seja prestando os serviços de benzedorismo e de fitoterapia. Procura-se estimular a comunidade a conseguir sua renda com aquilo que lhe é característico.
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